domingo, 25 de fevereiro de 2018

Literatura sem contestação é folha que voa livre ao vento. Literatura libertária é folha que arde na fogueira da censura


O romance “Martí, sem a luz do teu olhar” começa narrando o estupro de uma aluna na saída de uma escola, cujo nome é uma homenagem fictícia a um cidadão douradense de grandes méritos, mas infelizmente esquecido completamente pelos antigos escoteiros, Dr. Mário de Almeida. A obra literária foca na violência contra a mulher, e o estupro é uma das ações mais violentas contra qualquer ser humano, principalmente contra elas. Todos os dias são noticiados estupros nas tevês, nos jornais etc, e, desta forma, as crianças, e a sociedade de um modo geral, vão percebendo o perigo que as ronda. No entanto, esta narrativa ficcional foi censurada pelo órgão de educação municipal de Dourados (MS) sob a alegação de que o texto é inadequado para os alunos das escolas públicas. Qual foi a verdadeira motivação para retirar todos os exemplares do romance das prateleiras das bibliotecas escolares: perseguição política ou fundamentalismo religioso? O que tem de mais no texto que um aluno não escute todos os dias? É falso moralismo ou hipocrisia mesmo? Leia o começo do romance e veja se, no seu bairro, já não aconteceu fato semelhante.

Imagem: brigidoibanhes.blogspot.com.br

“A noite escura ameaça chuva. 
O vento forte varre a poeira do asfalto e fustiga os olhos dos poucos transeuntes do bairro Parque Alvorada. O prenúncio da tempestade na hora tardia faz os passos se apressarem. 
As aulas na Escola Estadual Dr. Mário de Almeida há pouco se acabaram, e alguns alunos mais afoitos se dispersam pelas ruas ermas. A maioria, porém, permanece no corredor da saída do colégio, à espera que o temporal passe. Um raio clareia por cima das copas das árvores e um fenomenal estrondo estremece o chão e ribomba nos corações. 
É a natureza exibindo seu poder aos homens.
Marti Telles baixa a cabeça instintivamente para proteger o rosto, e tenta inutilmente tapar os ouvidos com as mãos que seguram o material escolar. Os olhos demonstram ansiedade e os lábios se mantêm entreabertos pela respiração ofegante que os passos apressados impõem ao corpo esguio e alto. Corpo de manequim, dizem as amigas. 
Não percebe a sombra que se avizinha por trás. 
Apenas sente o braço forte que a envolve pela cintura, e tenta se desvencilhar, mas outro braço se enrosca ao seu pescoço, numa asfixiante gravata. Sabe que é um homem, pois sente o membro intumescido pelo desejo. É arrastada como uma folha pelo vento e a partir daí tudo fica muito confuso.
Sente-se sufocada e quase perde os sentidos. 
Com as mãos crispadas tenta arranhar o agressor, mas inútil, ele está colocado às costas e com tal pressão na garganta e cintura que quase desfalece. É empurrada para baixo de um pé de manga e jogada em cima de um banco de madeira na calçada, que é usado pelo morador da edícula, cuja silhueta surge ao fundo, para tomar tererê nas tardes de calor. 
Tenta se levantar, mas, com o peso de um container, o agressor se coloca em cima. O peso do vulto a imobiliza e a mão que se fecha na sua garganta, com um forte torniquete, a impede de gritar por socorro. Nem as pernas ela consegue mexer, pois ele pressiona com o joelho seu estômago, o que lhe tira todas as forças. Com um violento puxão o botão e o zíper da calça jeans se abrem.
A folhagem da árvore se contorce com a violência da ventania e os clarões intermitentes anunciam que o temporal está chegando mais forte. Marti vislumbra cabelos caídos sobre o rosto do homem, nada mais. 
Um langor toma conta da mente, enquanto sente que uma mão aperta com força sua genitália e um dedo é empurrado para dentro da vagina. A dor é como se a estivessem rasgando por dentro. As têmporas latejam e um frio gela seu estomago já tão dolorido. Sente o membro do homem dentro do corpo e assim permanece por algum tempo que lhe parece eternidade. 
A mão solta a garganta e lhe desfere violento murro no rosto. Uma golfada de água com cisco redemoinha por cima do banco, e é a última coisa que sente antes de perder os sentidos com o golpe covarde. 
Os minutos se molham expostos ao tempo.
Aos poucos ela sai do desmaio e o choro se mistura aos vagos gemidos da sua alma. Um pano molhado cobre-lhe rosto e sente as gotas da chuva, que se filtram entre as folhagens da mangueira, respingando-lhe o corpo seminu. Os seios estremecem com o frio da água; tenta sentar no banco, mas as pernas e braços não lhe obedecem. Ao contrário, novamente o torpor a domina por completo, do corpo à alma. 
Quanto tempo Marti permanece deitada e desfalecida no banco, não se lembra. A chuva cessa e o cheiro das folhas molhadas passeia pelo silêncio da noite. Um cachorro late na distância, quem sabe, ao estuprador que se afasta a passos largos. Sua mente, de arrasto, tenta decifrar os momentos do ataque, mas a realidade nua e crua lhe impõe a busca de forças para se erguer e fugir logo dali.
Afasta o pano do rosto e percebe que é a camiseta do uniforme. A calça rasgada pende de cima do banco, presa por um lado da perna. Do estômago para baixo é uma dor só, e o umbigo lhe reponta com pontadas de engulhos. Passa a mão pela sua feminilidade e sente-se gosmenta e suja. 
Muito suja”.

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