![]() |
Imagem: pt.wikipedia.org |
O ano é 1897. O mês, julho e o dia, vinte. Nasce a Academia Brasileira de Letras, a ABL, sigla pela qual a confraria seria conhecida e tornar-se-ia orgulho dos brasileiros. Seus ilustres intelectuais inspiraram-se no modelo francês. As dimensões continentais do adolescente Brasil e, principalmente, suas peculiaridades linguísticas, forjaram o objetivo principal da ABL: “o cultivo da língua e da literatura nacionais”.
A Academia Brasileira de Letras nasce para bem representar o Brasil nas reformas da língua junto aos países lusófonos através dos acordos ortográficos. Intelectuais brasileiros, paladinos da linguística, engajar-se-iam na defesa de um padrão da língua portuguesa, bem como, difundir a literatura brasileira da terra dos Tupinambá para o mundo. Uma referência nacional para as centenas de filhas que surgiriam nos estados e municípios.
Machado de Assis foi aclamado, por unanimidade, para ser o primeiro ilustre Presidente da nova confraria. Em seu discurso naquela data gloriosa afirmou o literato brasileiro, que a ABL nascia com a “alma nova” e, naturalmente, “ambiciosa” com o desejo de conservar, no Brasil, a unidade literária.
Assim como a Académie française inspirou os imortais brasileiros, a ABL foi a inspiração para que academias de letras surgissem em vários estados federados. A exemplo da mais recente confraria, a Academia Teixeirense de Letras da cidade de Teixeira de Freitas na Bahia, que foi criada no dia quatro de junho de 2016, em homenagem aos 109 anos de Castro Alves. A ATL segue o mesmo formato da confraria mãe. São 40 cadeiras a serem preenchidas por autores com obras publicadas; os imortais, como são conhecidos os eleitos.
De acordo com o estatuto da ABL, “para alguém candidatar-se é preciso ser brasileiro nato e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário”. Esses requisitos para concorrer a uma vaga podem variar nos estados e municípios, sempre através de editais públicos. Nomeia-se uma comissão para cuidar do processo e escolha de quem será detentor do que a sociologia chama de “sanção positiva” e – se tratando de uma Academia de Letras – vitalícia.
Recentemente um pesquisador brasileiro revelou sua pesquisa com oitocentos universitários de Brasília, Distrito Federal, onde metade dos pesquisados apresentaram dificuldades na compreensão de textos. Um reflexo do chamado analfabetismo funcional.
Sem entrar no mérito da qualidade e eficiência do ensino brasileiro e não cairmos na armadilha, cada vez exponencial, em dar respostas rápidas e superficiais ao apontar culpados, entende-se que as Academia de Letras, país a fora, têm fundamental importância na contribuição para o Brasil reverter este preocupante resultado.
Outro dado impressionante são as reprovações do exame da Ordem dos Advogados do Brasil, juntamente com as reprovações dos novos Médicos brasileiros. Outro resultado nada animador é o que aponta o Brasil como um país que lê muito pouco.
Se, de um lado, tem-se entidades criadas com o objetivo de fortalecer e preservar a língua e a escrita, de outro, tem-se um fenômeno social que ignora convenções e acordos ortográficos. A comunicação virtual é fértil em neologismo e apela, sem medo de “herrar”, em uma manifestação ortográfica hedonista voltada, apenas, para a satisfação em estar plugado na rede.
Escrever palavras ou frases como “jelo”, “acabarão de roubar uma pessoa”, “acordar dece geito”, ou ainda, “oje acordei mi centindo poderoza” são alguns exemplos flagrados nas manifestações subjetivas no “muro das lamentações” virtual. Certamente que esses exemplos acontecem em um ambiente extraclasse e, por tanto, com certa liberdade e consentimento de seus autores. Mas até que ponto essa prática ortográfica e, sem precedentes, não acaba por refletir nos déficits da formação do pensamento social?
Alguns discursos afirmam que se a manifestação estabelecida for compreendida e que, se houver entendimento entre emissor e receptor, não há problema algum. O fato é que, para uma avaliação oficial, uma redação com tais com tais exemplos dificilmente colocaria seu autor em uma posição classificatória, para aprovação de um vestibular ou um concurso público. Pelo menos em tese.
Qual o comportamento das Academia de Letras diante dessa realidade cruel? Qual a contribuição efetiva dos confrades e confreiras em suas comunidades? Estariam eles, como os deuses gregos, de longe a olhar inebriados em suas satisfações pessoais apenas em tornarem-se acadêmicos imortais, ou com o status que a confraria lhes confere?
Teriam as Academias cometido um desvio de finalidade ao tornarem-se verdadeiros templos narcisistas? Na pós-modernidade de Zygmunt Bauman qual a função social de uma Academia de Letras?
Somente o exercício responsável e comprometido, com o ideal da preservação e difusão da literatura, será capaz de conduzir-nos seguramente a respostas reveladoras.
Utilizando-se da falsa sensação de poder que as pessoas têm nas redes sociais, encontramos um relato de um autor anônimo, porém, muito apropriado para o momento. “O espírito humano fraterno, verdadeiro alicerce de uma confraria, tornou-se um espírito vaidoso, mesquinho, individual refletido na concepção de autossuficiência producente de pseudos-intelectuais”.
Essa manifestação crítica, ainda que anônima, leva-nos a reavaliar o conceito de “extensão”, ou seja, o impacto, a repercussão e a relevância da produção literária de uma Academia de Letras no seu universo próximo.
Dificilmente as gerações vindouras terão estômago e interesse em transmitir egos inflamados de seus imortais antecessores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário